Cadê a graça de comemorar alguma coisa, quando tudo que mais queremos é chorar e gritar para o mundo a nossa dor.
Minha amiga Cássia Cohen me pediu para escrever como foi o meu primeiro Natal sem meu filho Isaac. Quando comecei a pensar no assunto e relembrar, me dei conta que meu primeiro Natal sem o Isaac, foi ainda quando Isaac estava vivo. Deixa eu explicar melhor, vou tenta resumir…
Isaac nasceu no dia 21/12, aquele que era para ser o dia mais feliz da minha vida, afinal meu primeiro filho tinha nascido, se tornou um grande pesadelo. Pois, Isaac quando nasceu foi retirado de mim e levado para uma UTI. Não pude conhecer meu filho no dia que ele nasceu. Horas depois de seu nascimento eu também fui levada para UTI, sem fazer ideia de como era o seu rostinho ou de como ele estava. Meu desespero só aumentava com o passar das horas. Eu que nunca tinha ficado internada em um hospital antes, caí logo em uma UTI, e só quem já passou por uma estando consciente, sabe o que é essa experiência pavorosa.
Confesso que lembrar daquelas horas e dias ainda é meio pertubador, mas necessário passar por lá para contar toda história. Na UTI você não tem noção da hora, tudo lá é muito desorientador, eu só sabia que era noite porque ao lado do meu leito tinha um relógio pendurado na parede. Lembro que eram mais de 20h quando um dos enfermeiros entrou na UTI cantarolando uma música de Natal e dizendo o quanto Chester da ceia de Natal que estava acontecendo no hospital era delicioso. E que era para outros enfermeiros correrem que a coca-cola estava acabando. Ouvir aquilo estando naquela situação foi como se alguém estivesse afrontando minha dor. Que ódio senti naquele momento. Eu que só estava bebendo água através de uma pedaço de algodão molhado e desesperada por notícias do meu filho, ouvindo aqueles comentários tão alegres e descontraídos sobre comida e ceia de Natal, era desesperador. Vontade de bater naqueles enfermeiros… hoje eu entendo que para eles aquele era só mais um dia de trabalho, para mim o primeiro dia de muitas dores a serem vividas.
Saí da UTI na noite de 23/12, fui para o quarto mais ainda não podia ver Isaac, o médico tinha receio da minha reação ao ver meu filho e da minha pressão voltar a subir (eu ainda corria riscos). Mas no dia 24/12 fui finalmente liberada para visita-lo, lembro da minha mãe me ajudando a me arrumar, ela e minha irmã pegaram uma camisola bem bonita, me ajudaram a pentear o cabelo, o enfermeiro me colocou na cadeira de rodas e eu fui para o encontro mais esperado da minha vida, finalmente conheceria ele, meu amor, Isaac. Lembro que quando estava saindo do quarto minha mãe me falou “Jana, ele é pequenininho minha filha, se prepara, porque ele é muito pequenininho”. Eu ri, não tinha noção do quanto ele era mesmo pequenininho. Ao chegar na UTI neo-natal as enfermeiras que entraram de plantão no dia anterior se surpreenderam ao me ver, achavam que eu tinha morrido, pois só tinham visto meu marido perto do Isaac.
E lá estava ele, lindo, mas tão pequenininho (Isaac nasceu pesando 770g, 46cm). Ele era menor que meu antebraço, mas na alma era gitante, um guerreiro lutando para viver. Seu pequeno corpo cheio de aparelhos, sua boquinha com um tubo para respirar, mas ele lutava. Foi uma experiência incrível olhar para meu filho tão sonhado e esperado. Quando voltei para o quarto estava desolada, finalmente tive consciência do quanto o estado dele era grave. Meu marido foi levar minha mãe e minha irmã na casa que estavam hospedadas (elas eram do Rio e estávamos em Brasília). Lembro da dor estampada no rosto das duas. Pedi para o Marcus passar em um restaurante ou uma padaria e comprar nem que fosse um frango assado para que elas pudessem ter uma ceia de Natal, minha mãe me disse, não se preocupe é só um Natal, teremos outros para viver. Eu estava com muita dó das duas estarem naquela situação, mas também muito grata por terem elas perto de mim.
Quando saíram eu ainda recém operada de uma cesária, desci sozinha da cama e dobrei meus joelhos, naquele momento nenhuma dor física era maior do que a dor da minha alma, e eu gritei, chorei, implorei a Deus que Ele salvasse meu filho. Uma enfermeira veio ver o que estava acontecendo, porque tantos gritos, levou um susto ao me encontrar no chão, ela me ajudou a deitar na cama e disse que tudo ficaria bem. Naquele momento olhei para o relógio e já era Natal. Para meu maior desespero eu tive alta naquele 25/12. Não conseguia pensar em como seria sair daquele hospital e deixar Isaac lá. Lembro que tive uma diarréia antes de ter alta e uma médica veio me ver e disse que estava tudo certo, que a diarréia era uma reação e que eu estava liberada. Atravessei o corredor do hospital rumo a saída aos prantos, sem meu filho nos braços e sem imaginar o que ainda viria pela frente. Naquela Noite de Natal ainda tentamos comer uma pizza, mas foi impossível. Minha irmã teve uma crise nervosa teve que ser levada para uma emergência, foi tudo tão triste, tão terrível. Conhecemos um outro lado do Natal, o sombrio, o triste… víamos as pessoas comemorando, desejando Feliz Natal e a gente na mais profunda dor.
Isaac viveu mais 40 dias, no dia 02/02 ele faleceu.
Se você é uma mãe que já perdeu um filho já sabe como é né?! Desespero, dor, angustia, medo, raiva, desesperança total na vida. 1 ano se passou e minha psicologa me sugeriu que eu voltasse ao túmulo do Isaac e falasse tudo que eu precisava falar, afinal já havia se passado 1 ano e eu ainda não tinha voltado a vida, não conseguia me alegrar, não tinha mais o brilho no olhar, tudo era dor.