“É egoismo se trancar na dor” -Três mães que perderam os filhos no mesmo acidente de carro se unem para reconstruir suas vidas

 

Em 1995, três jovens faleceram em um acidente automobilístico em Itapetininga, interior de São Paulo: José Eduardo, Roberto e Vinícius. Foi através de reuniões e da ajuda de amigos, que seus pais puderam se recuperar e reconstruir suas vidas.

 Olga Machado Braga de Araújo, 49 anos, decoradora, Olivia Antonia Alves Franco, 48, socióloga, e Julia Maria Mancusi Tubel, 51, secretária-executiva, perderam os respectivos filhos Vinícius, José Eduardo e Roberto, aos 17 anos, no mesmo acidente de carro, em 1995. Depois da tragédia, as mães ficaram amigas e criaram o Grupo Fraterno – Nossos Filhos, Nossos Amigos, Nossos Irmãos

 Olga – A dor é tanta, parece que vão tirando tudo de dentro de você, os órgãos, os ossos, e você fica vazia. Fiquei à base de calmantes.

Olivia – O chão me faltou, mas pude suportar sem remédios. Meu filho mais novo gritava muito, era muito ligado ao irmão. Eu tinha que dar força, ajudar ele. Só depois pude pensar em mim.

Julia – Eu questionava: será que é mesmo? Até ver os corpos, parece engano.

 Olga – Os meninos estudavam juntos desde o maternal, a gente sabia que eram filhos de fulana, mas não tinha amizade. Depois da missa de 7º dia as duas começaram a se encontrar, eu estava em casa dopada, elas ligavam sempre. Nos momentos de lucidez, eu rezava. Sempre tive Deus no coração, mas tive muita raiva dele. Meu marido entrou em depressão. Vinícius era o meu do meio, tenho dois moços. Éramos os cinco para tudo. Eu acordava e pensava: não vou levantar. Depois que acontece isso, tudo na vida é por obrigação.

Julia Eu tive muita força das minhas duas filhas ao meu lado o tempo inteiro. Beto era o caçula. Nos primeiros dois meses, os amigos não nos deixaram. Fui vivendo o dia-a-dia, a casa cheia, conversando sempre sobre ele. Minha casa ficou cheia de fotos. Tem gente que acha que tem que tirar tudo da frente, eu acho que faz bem relembrar.

Olga Depois da missa de um mês fui à casa delas, falar de mãe para mãe. O luto de mãe é uma dor solitária.

Olivia Ligamos fora de hora uma para outra…

 Julia Com o tempo a gente vai compreendendo que talvez essa fosse a missão deles. E a nossa, passar por isso para crescer.

Olga – A gente sabe que tem uma vida depois, que eu tenho um compromisso de ser feliz porque o Vinícius vai ser feliz à medida que eu for.

Julia – A fé ajuda muito. Você se sente caindo em um poço sem fundo, e se não tiver umas alças pra te segurar…

Olga Foi o que me levantou. Eu via meus filhos me vendo na cama, parada. Chega uma hora em que você tem a obrigação de reagir.

Olivia Até hoje não choro perto do meu filho. Choro no carro, no banho…

Julia Depende muito da mulher a família ir para frente ou não. Meu marido trabalhava. Chegava sexta-feira eu tinha que inventar passeio, visita, se não ele ficava lendo o jornal de boca fechada, quando não chorava. É até egoísmo a gente se trancar na própria dor, porque a mãe não é a única que sofre. Sofre marido, sofrem irmãos, avós…

 Olga – Eu estava de férias e um mês depois minha chefe me chamou. Voltei ao trabalho, tinha um relatório difícil para fazer, me lembro que eu chorava em cima daquilo, mas consegui entregar. Julia – Eu nunca tinha trabalhado. Dois meses depois, arrumei um emprego de secretária. Foi bom. Se eu começava a chorar, tinha que me recompor porque recebia muita gente. Fazer algo em benefício de alguém também pode ajudar, como se tivesse se doando para o seu filho.

 Olga – Viver se torna um exercício diário. Às vezes me sinto como uma flor murcha. Mas vem alguém e joga uma água… Todo dia tem um estímulo uma frase, um carinho que me dá força para tomar banho, comer.

 Julia Tem tanta demonstração de carinho… As velhinhas do prédio me traziam flores em casa. Fiquei sabendo que o Beto papeava com elas, que abria a porta do elevador. Tenho uma amiga que domingo de manhã passava na portaria, nem subia, deixava primeiro prato, segundo prato e sobremesa. Por mim, eu não tomava nem água. Aí, você se pergunta: tenho o direito de me fechar? Você tem que aproveitar os momentos de dor para se conhecer, e depois, para crescer.

Olga Depois da morte do meu filho, tivemos um baque financeiro. Mas acha que isso me fazia sofrer? Ficar sem nada para mim é a ausência do meu filho.

Julia No primeiro revéillon alugamos um salão para 60 pessoas. O dono do lugar não entendeu nada. À meia-noite todo mundo chorou, depois teve dança e carnaval.

Olga Nós sorrimos com dor. Procuramos uma forma saudável de conviver com a saudade. Eu vou ao cemitério todo mês, cuido da placa, levo flores. Mas sem desespero.

 Julia – As cinzas do Beto estão em um incinerário em estilo japonês, um lugar lindo, com jardim. Para mim é importante ir lá, pegar a urna e pôr no meu colo. É alguma coisa física que restou dele. A gente vai lá, acende vela, incenso, reza. Poderia fazer isso em casa, mas é importante tocar na urna. É como uma visita

Olivia Eu me lembro muito do Zé Eduardo quando vou ao supermercado e vejo as guloseimas que ele gostava.

 Julia Nas primeiras vezes de supermercado, era uma choradeira na frente de cada prateleira. 

 Olga – Quando passo por algum porta-retrato com a foto dele, converso: ‘Viu tal coisa que aconteceu?’ Hoje é uma saudade alegre, querida.

 Julia – Todos os anos, no Natal, faço um jantar para os amigos do Beto, na minha casa. Aí mato um pouco a saudade, eles são beijoqueiros, me trazem toda a energia do Beto…

Olga – Fazemos missa todos os anos, no colégio onde eles estudavam. Olho o pátio e parece que vejo os três.

Julia Você tinha um monte de planos com aquele filho, de repente cortam…

Olga – Deus pega a casa da gente e sacode, tira tudo do lugar, e fala ‘agora arrume’. E a gente conseguiu. Nossos filhos viveram 17 anos nesse mundo louco, felizes e sadiamente. Quer prêmio maior? Temos lembranças maravilhosas, ainda pego nas bochechas de Deus, tenho que agradecer.

 Julia Tenho que viver para administrar essa dor que não posso apagar. É forte no começo, depois vai se transformando numa saudade. Aí, é administrar a saudade…

 

 

Essa reportagem foi retirada da revista Marie Claire,então com o intuito de me certificar que os dados do grupo estive atualizado,telefonei e falei com a Alin Gioielli em São Paulo,expliquei a ela sobre o nosso projeto,ela muito solicita e cordial,atualizou as informações sobre  as reuniões do Grupo

 O Grupo chama-se Grupo Fraterno, Nossos Filhos, Nossos Amigos, Nossos Irmãos. se reúne todas as 3as. feiras, às 20:30h, na Rua Luis Goes, 1456, Sala 4, na Vila Mariana – telefones : 011-9270-2828 -Lisete 011- 9102.5236 Alin

 

Cassia Cohen -Editora Chefe
Em 1º de abril de 2011 Cassia teve gêmeos,Christopher e Oliver.No dia 06 ,Oliver,o caçulinha faleceu devido a complicações de uma infecção intestinal(enterocolite necrosante ).Em 06 de abril de 2012,um ano depois da partida do seu filho,a revista eletrônica foi lançada. Cassia é Piauiense, mora na Flórida-EUA com seu marido,Stuie e seus filhos Vick e Chris.
http://mulheresferidasquevoam.com

Oi Meninas...e então o que vocês acharam?...comentem

Top
CLOSE
CLOSE